O QUE É TCC?

Terapia (ou psicoterapia) Cognitivo-Comportamental (TCC) refere-se a um movimento que engloba um conjunto de abordagens que compartilham características comuns. Os princípios que norteiam as diferentes TCCs já foram resumidos por diferentes autores e incluem:

  • Ênfase na postura de natureza experimental e científica que resulta na aplicação do método experimental na Psicologia e em disciplinas associadas (Neurociências), a fim de explicar a gênese e a manutenção de padrões anormais de comportamento. Envolve também o uso de um conjunto de procedimentos clínicos justificados por estudos experimentais controlados (Yates, 1970);
  • Reconhecimento da necessidade prática do envolvimento ativo do paciente na modificação de seu comportamento (Mahoney, 1984);
  • Reconhecimento de que a cognição é importante para o entendimento das emoções e do comportamento, ou seja, o que passa na nossa cabeça em momentos que envolvem experiências emocionais e tomadas de decisão é importante para a compreensão dessas vivências (Dobson & Dobson, 2009);
  • Reconhecimento de que a cognição pode ser monitorada, ou seja, mediante orientação terapêutica, podemos ter acesso a informações significativas sobre o que se passa em nossa cabeça (Dobson & Dobson, 2009);
  • Princípio de que pensamentos, sentimentos e comportamentos interagem de maneira causal (Mahoney, 1977);
  • Princípio de que podemos modificar a maneira com que respondemos aos eventos a nosso redor, a partir do entendimento de nossas reações emocionais e comportamentais, assim como pelo uso sistemático de estratégias terapêuticas (Dobson & Dobson, 2009).

A lista de princípios pode ainda ser ampliada, conforme a modalidade de TCC envolvida. Atualmente, existem inúmeras abordagens que se incluem dentro deste movimento: Terapia Cognitiva (hoje, já chamada de Terapia Cognitivo-Comportamental), Terapia do Esquema, Terapia Racional-Emotiva-Comportamental, Terapia Cognitiva Interpessoal, Terapia de Resolução de Problemas, Terapia Comportamental Dialética etc.

O que se pode concluir de nossa breve apresentação das características do movimento das TCCs é que não se trata de uma abordagem ortodoxa em relação a princípios e conceitos restritos a um grupo fechado de interessados, mas de uma abordagem que se revela aberta ao dinamismo da ciência. A Terapia Cognitivo-Comportamental tem se notabilizado pela séria adesão à sustentação empírica de suas técnicas e protocolos de tratamento, de modo a garantir que a aplicação de modelos terapêuticos não ultrapasse as evidências de sua eficácia. Assim, a posição atual de terapeutas dessa abordagem é de respeitar teorias e procedimentos testados empiricamente. Entretanto, o julgamento clinico é essencial para adequar tais princípios e aplicá-los no tratamento de cada caso individualmente (Dobson & Dobson, 2009).

Na história das TCCs, a consciência de que a compreensão dos eventos privados (subjetivos) é necessária para o atendimento adequado ao cliente e o advento da incorporação da abordagem mediacional, por uma parte importante do movimento comportamentalista, marcaram de modo definitivo a evolução do modelo. Na esteira dessas ideias, a abordagem teórica de Aaron T. Beck (1976), com ênfase no modo como esquemas de crenças organizam a atividade do pensamento, ofereceu um paradigma eficaz para a produção de técnicas e para sua verificação experimental. Processos estudados pelas ciências cognitivas em geral e pela pesquisa clínica em particular ajudaram a entender o modo como a experiência oferece evidências para a construção de hipóteses sobre o self e sobre o mundo, e como esquemas já consolidados na memória moldam interpretações sobre o que é visto ou experimentado. Os conceitos da teoria cognitiva subjacente às TCCs se inspiraram fortemente nas contribuições de Beck e de seus seguidores (Beck et al, 1979; Beck, J. S., 1995; Beck, Freeman & Davis, 2004; Dozois, Frewen & Covin, 2006).

Nas TCCs, os processos de personalidade são formados a serviço da adaptação. Os padrões de personalidade derivam de estratégias selecionadas em nossa herança filogenética, pois facilitaram a sobrevivência e a reprodução em nosso ambiente de adaptação (que não foi, certamente, semelhante ao de nossas cidades e sociedades como as conhecemos hoje). As síndromes sintomáticas (transtornos de ansiedade e depressão, por exemplo) e os transtornos da personalidade representam manifestações disfuncionais e extremas destas estratégias. Para que uma estratégia seja deflagrada, é necessário que uma situação seja avaliada (interpretada) de modo a colocar em jogo metas importantes do indivíduo (sobrevivência, status, recursos sociais, vínculos afetivos importantes, autoestima, parceiros sexuais). O modo como uma situação é avaliada depende, em parte, de crenças subjacentes relevantes. Tais crenças estão inseridas em estruturas mais ou menos estáveis chamadas esquemas, que selecionam e sintetizam (combinam num todo coerente) a informação recebida (Beck et al, 2004). Os esquemas são construídos ao longo de nossas experiências e representam as estruturas básicas da personalidade das quais os processos cognitivos, afetivos e motivacionais dependem. A partir da atribuição de significado aos eventos, as estruturas cognitivas iniciam uma reação em cadeia que culmina nos comportamentos típicos (estratégias) atribuídos aos traços de personalidade.

Os esquemas são estruturas fundamentais que gerem a interpretação dos eventos. Os conteúdos de nossa experiência consciente são os produtos deste processo interpretativo e são referidos como pensamentos automáticos, ou seja, os pensamentos e imagens que acessamos quando tomamos consciência do que se passa em nossa mente.

Os pensamentos automáticos são de especial importância nas TCCs. É através deles que terapeuta e paciente acessam os resultados (produtos) dos processos interpretativos conduzidos pelos esquemas. Muito do que acontece em TCC depende do acesso a esse material que, contudo, não é tão simples de se alcançar. Quando a atenção consciente se dirige aos pensamentos automáticos, a partir da instrução de observar o que passa na própria cabeça enquanto se vive uma experiência emocional, o que encontramos é um fluxo de ideias que assumem a forma de fala telegráfica, e não de um discurso verbal linear e bem estruturado. Consequentemente, os terapeutas cognitivo-comportamentais tiveram que criar ferramentas e métodos de auto-registro para ensinar seus pacientes a identificar com eficiência crescente os conteúdos do pensamento automático.

Esses registros podem ser feitos de diferentes maneiras (fichas de registros diários de pensamento, registros gravados de áudio, listas de pensamento para checagem etc). A medida que esses registros acompanham a experiência emocional que o paciente tem em foco ao se submeter à terapia, representam o elo de conexão com as estruturas subjacentes de crenças que constituem os esquemas cognitivos relacionados aos problemas em tratamento.

A conexão com as crenças subjacentes se faz através de técnicas de questionamento nas quais os terapeutas cognitivo-comportamentais são treinados. Ao final do processo investigativo, reunimos informações de diferentes níveis cognitivos: os pensamentos automáticos no nível mais superficial e as crenças subjacentes em níveis mais profundos. As crenças subjacentes podem ser classificadas como centrais e intermediárias. As crenças centrais representam o nível mais profundo da estrutura do esquema e se referem ao autoconceito, normalmente referido como declarações absolutas sobre o self e o mundo (“sou indigno de amor”, “sou um fracasso”, “sou especial e único”, “o mundo é perigoso e mau” etc). Em um segundo nível, derivado deste mais profundo, estão as crenças intermediárias, que correspondem a tentativas de se adaptar ao mundo conforme a perspectiva das crenças centrais. Deste modo, as crenças intermediárias se revelam como regras e suposições que representam estratégias de manejo (“coping”) construídas a partir das crenças centrais (“se eu me revelar às pessoas como realmente sou, elas me rejeitarão”; “eu tenho que ser melhor do que todos, para ser valorizado”; “se eu baixar a guarda, serei enganado e prejudicado”; etc).

De que modo os esquemas se tornam disfuncionais e se perpetuam ao longo do tempo? Esta pergunta pode ser respondida a partir da constatação de que os esquemas não só regulam as interpretações que ocorrem na transação com o mundo, mas também dão origem a estratégias adaptativas (ou desadaptativas). As interpretações dos esquemas disfuncionais apresentam características que as tornam fontes sistemáticas de confirmação. Um indivíduo que acredita que as pessoas não são confiáveis, pode interpretar as situações sociais de modo distorcido, confirmando sistematicamente suas crenças básicas. Pode, por exemplo, tirar conclusões, sem base em evidências suficientes, a respeito das intenções das pessoas. Pode, também, selecionar tendenciosamente apenas as experiências com pessoas não confiáveis, desconsiderando as experiências vividas com pessoas confiáveis.

Além das distorções cognitivas que resultam na confirmação tendenciosa dos esquemas, vimos que as pessoas também constroem estratégias (“coping”) que provocam consequências sobre si mesmas e sobre sua relação com o mundo. Esse mesmo indivíduo referido acima pode construir uma estratégia de estar sempre em guarda para defender-se das agressões esperadas (“se eu estiver sempre atento, não serei atacado”) e, com isso, provocar nas pessoas atitudes também defensivas e hostis, confirmando sua expectativa de um mundo hostil e não confiável. Assim, os esquemas são perpetuados pelas distorções interpretativas que eles engendram e pelo conjunto de estratégias e escolhas feitas para lidar com a transação com o mundo.

As TCCs utilizam técnicas cognitivas, comportamentais, experienciais e de relação terapêutica que visam identificar e intervir sobre o processamento esquemático distorcido e sobre as estratégias de adaptação construídas pelo indivíduo. Esse trabalho se desenvolve de forma focada e estruturada, conforme os estudos de validação desenvolvidos por pesquisadores clínicos. Além disso, as TCCs abordam cada caso a partir de um estudo cuidadoso e idiossincrásico dos fatores de desenvolvimento e de manutenção dos problemas apresentados à terapia. A esse estudo, chamamos formulação ou conceituação de caso, que representa uma hipótese de trabalho sobre os fatores que contribuíram para o desenvolvimento dos problemas do paciente e dos fatores que atualmente estão presentes e que explicam porque o problema vem se mantendo no presente. A partir da formulação, desenvolve-se o plano de terapia, um conjunto de estratégias especialmente moldado para cada paciente específico. Assim, a TCC se apresenta como um modelo de tratamento bastante individualizado e profundo, baseado em teorias e procedimentos empiricamente validados, distanciando-se bastante de qualquer receita simples ou panaceia padronizada para todos os casos.

Referências Bibliográficas

  • BECK, A. T., FREEMAN, A., & DAVIS, D. D. (Eds.). Cognitive Therapy of Personality Disorders (2nd ed.). New York: Guilford Press, 2004.
  • BECK, A. T., RUSH, A. J., SHAW, B. F., & EMERY, G. Cognitive Therapy of Depression. New York: Guilford Press, 1979.
  • BECK, J. S. Cognitive Therapy: Basics and Beyond. New York: Guilford Press, 1995.
  • DOBSON, D. & DOBSON, K. S. Evidence-Based Practice of Cognitive-Behavioral Therapy. The Guilford Press: New York, 2009.
  • DOZOIS, D. J. A., FREWEN, P. A., & COVIN, R. Cognitive Theories. In: Comprehensive Handbook of Personality and Psychopathology. Volume 1: Personality and Everyday functioning. New Jersey: John Wiley & Sons, 173-191, 2006.
  • KAZANTZIS, N., REINECKE, M. A. & FREEMAN, A. Cognitive and Behavioral Theories in Clinical Practice. New York, London: The Guilford Press, 2010.
  • MAHONEY, M. J. Reflections on the Cognitive-Learning Trend in Psychotherapy. American Psychologist. Jan: 5-13, 1977.
  • MAHONEY, M. J. Behaviorism, Cognitivism, and Human Change Processes. In: M. A. Reda and M. J. Mahoney (Eds), Cognitive Psychotherapies: Recent Developments in Theory, Research, and Practice.
  • Cambridge, Massachusetts. Ballinger Publishing Company, 3-30, 1984.
  • YATES, A. J. Behavior Therapy. New York: Wiley, 1970.

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